domingo, 19 de agosto de 2018

«plantas» («o extraordinário mundo introspectivo das ») - Rosa Oliveira

- 9 e 30 do 10.º (de 19) dia no Rugido; R. invadido por 3 famílias de Italianos...

- um dos cinco textos de R. O. publicados na última C.-L.:

o extraordinário mundo introspectivo das plantas

morrem mudamente
estão doentes e não gritam
zangam-se umas com as outras
e connosco
e não esbracejam
e renascem em pouco tempo
se lhes dermos um pouco da nossa pequena
mortal terra mortal

cobrem os crimes humanos
esquecidos na floresta do nosso esquecimento
precisam de água como nós
em certas estações do ano e em certos climas
embriagam-se afectivamente e descaem
nos nossos ombros
acompanham a música e o silêncio
caem    soçobram    levantam-se
tudo isto sem saírem do mesmo sítio

as plantas podem viver dentro das nossas unhas
detrás dos nossos olhos
levam tiros frágeis
disparados pelos nossos
neuróticos impulsos
compassados como a valsa
de mil tempos
as plantas respiram para dentro de nós
usam itálicos como confetis
inventam inimigos
prosseguem

sou a pessoa que contempla as plantas
e não gosta de animais
os tais animais muito, muito lentos que são as plantas

Rosa Oliveira, Colóquio-Letras, n.º 198, Maio/Agosto 2018, p. 180