HOMEM A LER DE ROGIER VAN DER WEYDEN
atribui-lhe o nome de Santo Ivo. […] Nesta representação
não figura qualquer atributo de santidade, o que torna a
identificação incerta.
Talvez seja um santo. Ao fundo há uma janela e vemos
um rio, campos, uma ponte. Sob as árvores alguns vultos. São apenaspormenores. Ele está um pouco inclinado. Um rosto pode ficar mais
atento
se não soubermos a quem pertence. Por isso, conserva
os olhos fixos na leitura que faz devagar até nós sermos
o que ele lê, a mesma folha aberta, os caracteres a negro. Tornamo-nos
neste texto, e a luz vem ao seu encontro quando a claridade
ajuda a compreendê-lo. Mesmo que a cor de uma das paredes
esteja ali como um segredo, principia agora para nós o sentido
que há-de permanecer nos seus lábios cerrados para sabermos
como vem ter connosco o rumor de uma voz mais antiga. De novo
olhamos todas essas palavras que ele fita também. Pode
a nitidez do que está escrito fazer agora com que deixemos
de existir?
Fernando Guimarães. As raízes diferentes. Lx., Relógio d’Água, 2011, p. 22 [da 1.ª secção: «Tempestade em Veneza e outros poemas»]