segunda-feira, 27 de agosto de 2018

um pai, um filho, uma epopeia

- trovões e relâmpagos sobre o mar da Zmab = habitual Temp. de Agosto...
- leitura dos últimos dias, esta narrativa «às voltas» foi ontem recom.a a M. B. e a J. B. que, pelas oito e 30, já voltavam da CAMINH. 

REcorte:
[...] Ao contrário da minha mãe, o meu pai não gostava de ser o centro das atenções; sempre que se visse na berlinda, sempre que fosse o único orador numa sala cheia de gente, acentuava palavras ao acaso enquanto falava, como se essas ênfases feitas ao acaso lhe emprestassem autoridade ao discurso.
Estou a frequentar o curso do Dan, estava ele a dizer agora (alguns estudantes pareciam divertidos ao ouvirem-no tratar-me pelo meu nome próprio), porque pensei em tentar ler os clássicos outra vez, que não voltei a ler desde o liceu. Isso foi durante a Segunda Guerra Mundial, na década de 1940.
O meu pai moveu bruscamente a cabeça lustrosa na minha direção e disse: Eu soube esta coisada toda antes de ele a saber.
Os estudantes riam à socapa.
Bem, sabia muito disto, continuou, passado um momento, a bater vagarosamente no seu iPad, para o qual descarregara o texto da Odisseia. Li Ovídio em latim. Conhecia os mitos. Li a Íliada e a Odisseia, mas foram só excertos. Por isso, pensei que, agora, iria ler tudo.
Alguns dos estudantes olhavam para ele fixamente. Estavam a adorar aquilo.
O meu pai disse: Achei que era agora a minha oportunidade para voltar a ler isto, antes de morrer.
[…]
Vou dizer-vos isto. Nunca se é demasiado velho para aprender, disse ele.

Daniel Mendelsohn, Uma Odisseia um pai, um filho e uma epopeia, Elsinore, 2018, pp. 106, 7




domingo, 19 de agosto de 2018

«plantas» («o extraordinário mundo introspectivo das ») - Rosa Oliveira

- 9 e 30 do 10.º (de 19) dia no Rugido; R. invadido por 3 famílias de Italianos...

- um dos cinco textos de R. O. publicados na última C.-L.:

o extraordinário mundo introspectivo das plantas

morrem mudamente
estão doentes e não gritam
zangam-se umas com as outras
e connosco
e não esbracejam
e renascem em pouco tempo
se lhes dermos um pouco da nossa pequena
mortal terra mortal

cobrem os crimes humanos
esquecidos na floresta do nosso esquecimento
precisam de água como nós
em certas estações do ano e em certos climas
embriagam-se afectivamente e descaem
nos nossos ombros
acompanham a música e o silêncio
caem    soçobram    levantam-se
tudo isto sem saírem do mesmo sítio

as plantas podem viver dentro das nossas unhas
detrás dos nossos olhos
levam tiros frágeis
disparados pelos nossos
neuróticos impulsos
compassados como a valsa
de mil tempos
as plantas respiram para dentro de nós
usam itálicos como confetis
inventam inimigos
prosseguem

sou a pessoa que contempla as plantas
e não gosta de animais
os tais animais muito, muito lentos que são as plantas

Rosa Oliveira, Colóquio-Letras, n.º 198, Maio/Agosto 2018, p. 180