[vem aí, o fim de tarde; foram os CTs mais «rápidos» da história do Paraíso - T. lê o último livro de Golgona Anghel - hoje, o adequado para tal dia de hoje]
VOU PASSANDO ÀS CAMBALHOTAS POR ESTE FIM DE TARDE
como um dúvida à procura do seu ângulo recto.
Organizo milhares de peças de puzzle,
reconstruindo mundos perdidos
com a imagem virada para baixo.
Transformo as soluções em enigmas.
Desloco eras,
reavivo vulcões,
erijo à volta de um ar de mamas,
escolas de arquitectura,
histórias de sobrevivência,
bocas secas,
dentaduras postiças.
Do armário, chega-me
como um hieróglifo sonoro de uma dor remota,
o assobio intermitente
de um rato.
Nada nos une, penso,
a não ser esta janela falsa
na câmara de gás.
Passo a mão pela frente molhada,
mudo, à pressa,
os lençóis à ilusão
e fico, outra vez, à espreita.
Seria tanto mais fácil esperar pela eternidade
se, ao menos, houvesse alguma mini no frigorífico.
Golgona Anghel, Como uma flor de plástico na montra de um talho,
Lisboa , Assírio & Alvim, 2013, pp. 55, 56