G. precisava de uma «pequenina compensação» - «derivou», ao encontro, como sempre, de um livro.
Encontrou.
Quando, de tempos a tempos, sai um deste nível, faz-se sempre justiça ao (anti)tópico: «afinal, ainda não estava tudo escrito sobre o A.»
AINDA A RAINHA DEPOIS DE MORTA
Arranca corações, esse punho cruel
que vem fustigando a história
dos amantes e chega até aos púlpitos, tronos,
e matérias de arte.
Na pedra burilada, os anjos muito agudos
pecam por desvelo.
Nas naves ressoa o bramar enrolado em raiva
da realeza sepulta:
eu amei-a viva, vocês venerem-na morta.
Foi um punho cruel.
Talvez houvesse um sexo absoluto em tanto movimento
de ouro, brocado,
soluços ébrios de temor ou de outra natureza
mais embevecida.
A história nete caso é sedutora:
traz o poder ao sol duns seios, à luz duma vagina,
abre a flor dos sentidos, desfeita
a golpes de espada,
de traição.
Aqui neste frio erguido ao redor das naves
a matéria humana
que percorre viva a tarde histórica
tem pressa de fugir
ao pesadelo:
o amor não mata, ninguém o assassina,
é ele e só ele que se expõe
já morto.
Armando Silva Carvalho, De Amore. 2012, Lisboa, Assírio & Alvim, pp. 37-38