[texto que teve que ser lido para fins «oficiais...]
[espaçadas eram as idas ao Barbeiro de C., então, D. ou N., pois eram «cortes quase de máquina Zero»; dois eram os barbeiros:
- o sr Manuel, magro ou seco, sóbria e polida figura, na Calçada da Bica Grande - repleto aos sábados de manhã - que teve carreira muito, muito longa...;
- o sr Fernando, na Calçada Salvador Correia de Sá - onde D. nasceu... - rubicunda e sarcástica figura, sem piedade pelas crianças... (outras histórias...)
REcortes de Recorte de Miguéis:
Entrámos
numa mercearia, e ali fiquei muito tempo, especado entre as sacas de batatas e
de arroz, a ouvir falar de doenças e mortes, de carestia da vida, de política e
de outras atualidades, então como hoje, palpitantes: desconsolado e quase
choroso, porque ninguém me deu uma bolacha Maria nem um pirolito.REcortes de Recorte de Miguéis:
Havia
algum tempo que os ares andavam turvos: falava-se de República e de Revolução.
Diziam-se cobras e lagartos do Rei.
[...] Um novo
pormenor, para mim de incalculáveis repercussões, vinha acrescentar-se agora ao
Regicídio: da explicável confusão que se seguira ao atentado, algumas pessoas
tinham saído mortas e feridas. Acontece que o barbeiro
da Graça, súbdito leal de Suas Majestades, não quisera perder o ensejo de saudar
à chegada a Real Família. No Terreiro do Paço, à passagem do magro e veloz
cortejo, ele tinha aberto a boca para bradar «Viva El-Rei!» quando uma bala
perdida, entrando-lhe pelo céu da mesma, lhe furou a base do crânio para sair
pelo olho direito. Foi uma bala prodigiosamente acrobática, disso não resta
dúvida nenhuma. Ignorante da Medicina Legal, ao ouvir estes relatos macabros e
sugestivos,limitei-me a pensar com
horror nos perigos de andar de boca aberta a dar «vivas», ainda que fosse à República,
como era o meu costume.
Saí da mercearia
acabrunhado, pela mão de minha mãe. Tinha confiado os meus virgens caracóis às
mãos daquele barbeiro «talassa», e sentia-me agora um bocado órfão.
José Rodrigues. Miguéis, «Pouca Sorte com Barbeiros», in Léah e Outras Histórias, Lisboa, Estampa, 1987 [1.ª edição de 1958], pp. 104 e 105 (adaptado)