[leitura concluída ontem, no T. do Palácio, visto que a General...]
Recorte:
Quinta, dois.
— As pessoas julgam a literatura um campo
adicional de experiências, diz Pip, mas esquecem que é uma experiência virtual,
que não pode ser utilizada de modo efectivo. Um autor põe em cena personagens
que travam as lutas a que ele próprio se esquiva, fica tranquilamente sentado
enquanto as personagens se debatem, uma parte dele expõe-se, enquanto a outra
fica resguardada em casa, atrás do vidro, com os pés bem quentes diante da
lareira. E o leitor, autor virtual, repete a mesma experiência, duplamente
frustrante, […]
— Mas no fundo tu venderias a alma ao diabo
para seres capaz de escrever um livro, grito, porque hoje finalmente ele me
exaspera.
— É, era eu que deveria escrever livros, diz
ele sem se alterar, tenho tudo na mão para escrever livros, o olhar certo, a
palavra certa, […] […] mas a literatura
não se justifica e por isso não escrevo, porque o que não se justifica não
merece ser feito, mas nem por isso deixo de ser escritor. Embora nunca vá
escrever, não deixo de ser escritor — o verdadeiro escritor é justamente o que
tem consciência da impossibilidade de escrever.
— E os que escrevem livros são o quê?
pergunto, furiosa.
— São escribas, diz ele. Passam com
desembaraço por cima de todas as dificuldades, por pura incapacidade de as ver.
É o que se passa contigo.
Teolinda Gersão, Os
guarda-chuvas cintilantes — Cadernos I – diário, 3.ª ed., Sextante, 2014, pp. 64-66 [texto truncado]
Outros Recortes:
AQUI e
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