[V. Lembra-se de ter
lido, «dispersivamente», ao longo de muito tempo, por 2015, esta obra de M. T. H., de Nov. de 2014; agora relida
no Rugido, em dois dias «contínuos»...]
Recorte
de uma das Narrativas, designadas como «Contos»:
[...]
– Onde está a carta que a tua mãe te
mandou?
E
o seu rosto era de desvario absurdo, absoluto.
A
sua voz de estilhaço feria, a sua voz de punhal cortava. Sangrei um pouco por
dentro, mas continuei calada.
– Onde escondeste a carta da tua mãe?
Primeiro
escondera-a no fundo de um buraco, por baixo de uma das faias, e pusera-lhe uma
laje por cima como se se tratasse de uma campa rasa. Supersticiosa, tirei-a e
fui dissimulá-la entre o enredo das hastes espinhosas de rosas púrpuras de
almíscar, numa das áleas ao fundo do jardim. Mas com medo de que alguém mesmos
aí a descobrisse, no seu fundo de húmus e farpas,
comera-a
Era
como se não me lembrasse, mas soubesse que a tinha comido. Devagar, engolindo
cada um dos pedaços, todas as letras que ela me escrevera. Fora a minha
primeira carta de amor, e comi-a. Como se a incorporasse.
– Onde escondeste a carta que a tua
mãe te mandou?
– Qual carta?
Sumida,
uma voz sumida que soltei trémula fazendo frente à fúria enorme e descontrolada
da mulher do meu avô, madrasta que nem era minha e sim da minha mãe, mas que
transferira para mim o seu ódio resguardado.
– Estúpida rapariga! Ingrata! A
defender uma maluca, uma leviana, que nem sequer lhe liga. Ela deixou-te,
largou-te! Ela abandonou-te!
[...] [transcrição que não respeita os «espaços gráficos»]
Maria Teresa Horta, «Perecível», in Meninas, D. Quixote, 2014, p, 110
[ver entrevista, de Dez. de 2014, no DN Magazine]
[enttrevista, de 05 - 08 - 2017, ao Expresso]