quinta-feira, 10 de agosto de 2023

«reticências, o que resta»

 - terminada a leitura de «Os inquietos» (cerca de 340 pp.); vários Recortes por estes dias, por «estas Casas» [...]; tb. leitura de V. ou de F. de A. Eus [...]

RECORTE(s)

     Debateu-se toda a vida com a língua, com a escrita. As folhas de papel amarelas e as canetas. A porta atrás da qual se trancava. As regras estritas que ele queria romper, mas que não tinha coragem de romper, não na escrita, apenas durante a rodagem de filmes, rodeado de actores, fotógrafos, técnicos de som e de outras áreas - pessoas que sabem fazer o seu trabalho. Os colegas. Os companheiros de trabalho (arbetskamraterna). A palavra mais bonita da língua sueca. Mas a escrita ocorre sem essas pessoas. Quando se tranca no escritório para escrever, rodeiam-no apenas fantasmas. Os vivos e o mortos. {...] O silêncio no quarto da escrita não é propriamente amistoso. As palavras não saem ou saem na sequência errada. As frases enrolam-se em si mesmas e não têm princípio nem fim. Os limites da minha língua são os limites do meu mundo, escreveu Wittgenstein, mas o que vai acontecer agora, pergunta o velhote [...] o que vai acontecer agora que estou a perder a linguagem? Em breve só me restarão as reticências.

                                                 Linn Ullmann, Os inquietos, 2023, pp. 314 - 315

[sublinhados e itálicos acrescentados...]