segunda-feira, 24 de junho de 2024

«Soneto Absinto»; João de Melo

 - cerca de 60 poemas em 5 «Secções» [...]

SONETO ABSINTO

                                          para Manuel Alegre, meu poeta

Frustrou-se em mim o poeta, a voz que desenha
a grosso o canto e bebe o verso com seu absinto.
Restam-me a areia, o cio, a raiz da criação islenha.
E cantar o fogo em brasa, mesmo se já extinto.

Perde-se em mim o nome como quem desdenha
da música a pintura, o instrumento ou o instinto
rebelde do cantor. Deixei tudo a arder na lenha
e na ira de um deus que me perdeu no labirinto.

Sou dado às prosas, não às musas. São luxúrias
minhas a verve e a escrita de outras geografias,
que não bastam para amansar em mim as fúrias.

A ficção é um jogo, troca verdades por mentiras
e vice-versa; profana cultos, ergue alto o rosto,
é contra o segredo a manha a palha e o mosto.

               João de Melo, Longos Versos Longos, 2024, p. 23 (da 1.Secção, «Canto e Absinto»)