segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A IMAGEM = único elemento essencial («Recherche»)

[...]
       E não era também o meu pensamento como que outro presépio, ao fundo do qual sentia que permanecia enterrado, mesmo para olhar o que se passava lá fora? Quando via um objecto exterior, a consciência de que o via ficava entre mim e ele, bordejava-o de uma estreita orla espiritual que me impedia de tocar alguma vez directamente na sua matéria; [...] Na espécie de barreira matizada de estados diferentes que, enquanto lia, a minha consciência ia erguendo em simultâneo, e que iam das aspirações mais profundamente ocultas dentro de mim mesmo  até à visão toda exterior do horizonte que, no extremo do jardim, tinha diante dos meus olhos, o que em primeiro lugar havia em mim de mais íntimo, o punho em constante movimento que governava o resto, era a minha crença na riqueza filosófica, na beleza do livro que lia, e o meu desejo de tomar posse delas, fosse qual fosse o livro. [...]
       Depois dessa crença central que, durante a minha leitura, executava incessantes movimentos de dentro para fora, para a descoberta da verdade, vinham as emoções que me eram dadas pela acção em que tomava parte, poque aquelas tardes eram mais cheias de acontecimentos dramáticos do que muitas vezes uma vida inteira. Eram os acontecimentos que surgiam no livro que estava a ler; é verdade que as personagens por eles afectadas não eram «reais», como dizia a Françoise. Mas todos os sentimentos que a alegria ou o infortúnio de uma personagem real nos fazem experimentar só acontecem em nós por meio de uma imagem dessa alegria ou desse infortúnio; o engenho do primeiro romancista consistiu em compreender que no aparelho das nossas emoções, como a imagem é o único elemento essencial,