segunda-feira, 8 de agosto de 2011

HOMEM A LER



HOMEM A LER DE ROGIER VAN DER WEYDEN

 Uma inscrição do século XVI, que entretanto foi removida,
atribui-lhe o nome de Santo Ivo. […] Nesta representação
não figura qualquer atributo de santidade, o que torna a
identificação incerta.

 Stephan Kemperdick, Rogier van der Weyden



Talvez seja um santo. Ao fundo há uma janela e vemos
um rio, campos, uma ponte. Sob as árvores alguns vultos. São apenas
pormenores. Ele está um pouco inclinado. Um rosto pode ficar mais
      atento
se não soubermos a quem pertence. Por isso, conserva
os olhos fixos na leitura que faz devagar até nós sermos
o que ele lê, a mesma folha aberta, os caracteres a negro. Tornamo-nos
neste texto, e a luz vem ao seu encontro quando a claridade
ajuda a compreendê-lo. Mesmo que a cor de uma das paredes
esteja ali como um segredo, principia agora para nós o sentido
que há-de permanecer nos seus lábios cerrados para sabermos
como vem ter connosco o rumor de uma voz mais antiga. De novo
olhamos todas essas palavras que ele fita também. Pode
a nitidez do que está escrito fazer agora com que deixemos
de existir?

Fernando Guimarães. As raízes diferentes. Lx., Relógio d’Água, 2011, p. 22 [da 1.ª secção: «Tempestade em Veneza e outros poemas»]

terça-feira, 2 de agosto de 2011

[A morte é a curva ...] - PESSOA + BORGES + (...)

Manuel Jorge Marmelo, na sua crónica de hoje, no Público, «No bolso do morto», (na secção «Bisturi»), termina citando os dois últimos versos do poema Ortónimo de Pessoa.                       (ver Entrada anterior)

Até lá, relata uma curiosa história, «para-literária», que envolve figuras como Borges, Faciolince (escritor colombiano, autor do romance Somos o esquecimento que seremos) e outros.

Recorte Inicial:

«No bolso do morto»  («Bisturi») Jorge Marmelo

Foi há coisa de um ano que aqui referi o romance Somos o esquecimento que seremos, de Héctor Abad Faciolince, e o poema que o escritor colombiano achou no bolso das calças do pai quando o encontrou assassinado numa rua de Bogotá: “Já somos o esquecimento que seremos/o pó primordial que nos ignora”.

O poema, cujo primeiro verso serviu de título ao romance, estava assinado “JLB” e Faciolince entendeu que se tratava de um escrito de Jorge Luís Borges. A história desse controverso escrito não terminou aí, porém. A sua autoria foi contestada, inclusivamente pela zelosa viúva de Borges, e armou-se uma daquelas polémicas em que os literatos, às vezes, se exercitam. A controvérsia, porém, não deu um filme – deu dois livros. Traiciones de la memoria, do próprio Héctor Abad Faciolince, e Los falsificadores de Borges, do argentino Jaime Correas, contam, de modo diverso, uma investigação de vinte anos que permitiu determinar que os versos eram mesmo do autor de O Aleph. “É uma história estranhíssima. Podia ser um conto de Borges”, declarou Correa quando, há alguns meses, apresentou o seu romance em Buenos Aires.

Tanto quanto foi possível determinar, o poema – que, afinal, eram cinco – saiu da gaveta de Borges na calle Maipu num dia de Setembro de 1985, pela mão de Franca Beer,  [....] .

 Público, 02-08-2011, P2, p. 3


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