terça-feira, 11 de junho de 2013

«Fim de tarde» - Golgona Anghel

[vem aí, o fim de tarde; foram os CTs mais «rápidos» da história do Paraíso  -  T.  lê o último livro de Golgona Anghel - hoje, o  adequado  para tal dia de hoje]

VOU PASSANDO ÀS CAMBALHOTAS POR ESTE FIM DE TARDE
como um dúvida à procura do seu ângulo recto.

Organizo milhares de peças de puzzle, 
reconstruindo mundos perdidos
com a imagem virada para baixo.
Transformo as soluções em enigmas.
Desloco eras,
reavivo vulcões, 
erijo à volta de um ar de mamas,
escolas de arquitectura,
histórias de sobrevivência,
bocas secas,
dentaduras postiças.

Do armário, chega-me
como um hieróglifo sonoro de uma dor remota,
o assobio intermitente 
de um rato.
Nada nos une, penso, 
a não ser esta janela falsa
na câmara de gás.
Passo a mão pela frente molhada,
mudo, à pressa, 
os lençóis à ilusão
e fico, outra vez, à espreita.
Seria tanto mais fácil esperar pela eternidade
se, ao menos, houvesse alguma mini no frigorífico.

Golgona  Anghel,  Como uma flor de plástico na montra de um talho,
Lisboa , Assírio & Alvim, 2013, pp. 55, 56